segunda-feira, 15 de junho de 2009

Uma roupa nova

Não me lembro bem porque laranja e preto. O fato é que fizemos o cabeçalho com essas cores, retangular, e sem nenhuma pretensão de sermos uma fonte fidedigna de notícias, apesar do nome. Foi casual, soou bem, então seguimos.

A idéia inicial era dar vazão às tantas coisas que víamos nas ruas, na tv, na internet, enfim, em todo lugar. Escrever pequenas reportagens, algumas histórias e o que mais viesse pela frente.

Como todo começo é de empolgação, a nossa durou uma postagem: o Ricardo atarefado com os frilas, e eu num trabalho que consumia a alma. E foi assim que o Outras Fontes ficou esquecido por quase um ano.

Em 2009, já afastada daquele trabalho, resolvi ativar o Outras Fontes e acho que comecei bem: publiquei alguns textos e criei uma seção “Lembranças do Prestes Maia” para publicar histórias de moradores do edifício ocupado pelo Movimento dos Sem Teto do Centro (MSTC), em São Paulo, com o material recolhido (e não publicado) nas incursões ao prédio durante a graduação em Jornalismo.

Pois bem… Após dois meses e algumas postagens solitárias – o Ricardo continua atarefado com os frilas –, resolvi abandonar definitivamente o Outras Fontes. Criei um outro blog, com o mesmo fim, porém dessa vez solo. E assim nasce o Cinturafina.

Outras Fontes continuará na rede por mais algum tempo, ainda não sei por quanto. As postagens daqui já passei pro Cinturafina, com as datas originais de suas publicações.

Oficialmente hoje me despeço do Outras Fontes. Sigo no Cinturafina!

terça-feira, 9 de junho de 2009

Lembranças do Prestes Maia: Imagens

Foto: Ricardo Tacioli



Foto: Ricardo Tacioli



Foto: Ricardo Tacioli

Lembranças do Prestes Maia: João e Maria



Ele é de Alagoas; ela de Jequié na Bahia. O casal que se encontrou aqui em São Paulo veio de Parelheiros, bairro periférico da capital, e ocupava o barraco número 7 do décimo quinto andar do bloco B, no edifício Prestes Maia.

João trabalhava sem carteira assinada, como servente no Mercado Municipal de São Paulo; Maria Cícera cuidava da casa e dos cinco filhos já crescidos. Vivem juntos há oito anos e estavam no prédio desde o dia da ocupação.


segunda-feira, 8 de junho de 2009

Lembranças do Prestes Maia: Dona Clarice Barbosa

No pequeno cômodo do terceiro andar do edifício Prestes Maia vivia Dona Clarice Barbosa. De Cafelândia, interior do estado de São Paulo, com então 57 anos, antes de chegar ao Prestes Maia ela vivia numa quitinete alugada na avenida São João, região central da capital paulista.

As diárias como faxineira se tornaram insuficientes para bancar o aluguel culminando na sua mudança para o edifício invadido pelo Movimento dos Sem Teto do Centro (MSTC).

Junto com ela vieram sua mãe, Dona Sebastiana de 79 anos; o sobrinho-neto Marcos, 4 anos ,e sua mãe Isabel, 29, que sofre de uma pequena debilidade mental, e contribui para as despesas com a pequena pensão que recebe do governo.


Quando a conheci fazia apenas 30 dias que ela estava no prédio. Pediu a direção um andar baixo, por conta da mãe, mas não foi atendida. A preferência pelos primeiros andares é dos moradores mais antigos.


Há pouco tempo havia adotado um gatinho para inibir os ratos que circulavam ao apagar das luzes. Ela e a sobrinha dormiam no chão e temiam o ataque das ratazanas, ou uma doença decorrente delas. A cama estava reservada para a criança e a idosa.




quinta-feira, 4 de junho de 2009

Lembranças do Prestes Maia

Havia pouco tempo que o último ato de resistência dos moradores do Edifício Prestes Maia, localizado na região central da cidade de São Paulo e então a maior ocupação vertical da América Latina, tinha chegado às manchetes de jornais quando nos foi passada as primeiras orientações sobre o projeto experimental de jornalismo literário. Naquela semana, 468 famílias foram ameaçadas de despejo, sem nenhuma alternativa de realocação.

Para a conclusão do curso de graduação, bacharelado em Comunicação Social/Jornalismo, deveríamos escrever nosso primeiro livro-reportagem. O passo a passo já era sabido: escolher um tema, definir a metodologia, redigir o projeto, apresentá-lo e botar a mão na massa. Marcamos, então, nossa primeira reunião de grupo. Cada um dos 12 componentes traria sua sugestão para, democraticamente, decidirmos o objeto de nosso estudo, tendo em mente um assunto que nos daria prazer em pesquisar e trabalhar nos próximos nove meses.

Temas como a famosa rua 25 de março, no centro da capital paulista, religiões e Budismo, a Assembléia Legislativa de São Paulo vista por aqueles que trabalham na sua manutenção, e outros que a memória não resgata estavam à mesa junto com o Edifício Prestes Maia ocupado desde 2002 pelo Movimento dos Moradores Sem Teto de São Paulo (MSTC).

Não por unanimidade, mas por maioria, definimos que a história recente do prédio tinha força e muito assunto para se transformar em um livro. Mas qual seria o foco? A busca por mais informações sobre esse tema evidenciou que, apesar de bastante citado, o edifício era reconhecido como a maior ocupação vertical da América Latina, mas as histórias das pessoas que nele moravam eram meros acessórios. Exceções concedidas aos líderes do movimento e aos idealizadores da biblioteca fundada no prédio a partir de doações e de livros coletados do lixo. Estava aí a nossa linha editorial.

Quem são essas pessoas que habitam um edifício abandonado, sem luz ou água encanada, povoado por ratos e baratas em meio a paredes úmidas, dividindo suas intimidades e compartilhando suas necessidades de forma precária e insalubre?

Essas pessoas vieram de vários lugares: da região periférica da cidade de São Paulo até do distante agreste nordestino. Algumas, inclusive, de países vizinhos, como a Bolívia. O principal motivo desta migração é a busca por trabalho, mas também o desejo de encontrar familiares e procura de tratamentos de saúde.

Cansados do entra-e-sai de jornalistas, videomakers, fotógrafos, pesquisadores e curiosos, alguns residentes foram contra nossa permanência no edifício. Mas novamente a maioria prevaleceu e nossa presença foi aceita numa assembléia de moradores que expôs os objetivos de nosso trabalho apresentado alguns dias antes a duas dirigentes do prédio.

Os meses que seguiram foram de incursões semanais aos dois blocos do edifício, um de 22 andares e outro de dez. Conversamos, entrevistamos e fotografamos sempre em busca de histórias de moradores que, ao mesmo tempo, representassem a de outros tantos personagens do prédio que não caberiam dentro do projeto pelo tempo e espaço disponíveis.

Apesar de terem sido aprovadas em assembléia, nossas visitas muitas vezes foram hostilizadas por moradores que nos consideravam curiosos da precariedade e miséria em que se encontravam. Mas, em tantas outras oportunidades, também fomos convidados a entrar em suas casas e partilhar da refeição. Ora uma narração intrigante, ora uma engraçada, as histórias variavam sempre entre a tristeza do passado e o temor e incerteza do futuro. Registramos em voz alta a resistência de alguns desses sentimentos.

Trajetórias de vida de moradores como a do boliviano Mário, ex-sapateiro e atualmente piloteiro de uma confecção no Bom Retiro: veio pela primeira vez ao Brasil para passar férias e ficou de vez. Dois anos depois, voltou à Bolívia, mas para trazer toda a família para São Paulo. Dona Edicena, que saiu de Minas Gerais atraída por um programa de TV que oferecia teste de DNA. Chegou à capital paulista com apenas 30 reais e a esperança de comprovar o nome do pai de seus dois filhos.

Concentradas num único local, essas pessoas revelaram e refletiram suas trajetórias de vida, as questões e os eventos que culminaram na adesão ao movimento que reivindica moradia e a decisão de ocupar o prédio abandonado. Moradia, Não Ocupação é um retrato humanizado das desigualdades sociais no Brasil que as estatísticas não cansam de mostrar.

Hoje sei que o prédio teve sua fachada lacrada com cimento para impedir novas invasões; alguns moradores aceitaram o apartamento popular financiado pelo governo que fica na periferia de São Paulo. Outros tantos não puderam aceitar a oferta: eram carroceiros e ambulantes que não tinham como atravessar a cidade para garantir o ganha-pão.

O livro ficou lá em 2007, talvez hoje em alguma estante da biblioteca da Universidade. Aqui relembro alguns antigos moradores do edifício...






terça-feira, 2 de junho de 2009

David Lynch

Nunca tinha assistido nada de David Lynch até hoje à tarde, quando dei de cara com Império dos sonhos (2007) na seção “diretores” da locadora próxima de casa. Sinopse e capa me convenceram que valia a pena levá-lo.

Após quase três horas de filme, confesso: não consegui juntar as peças; não entendi a essência; não sei dizer exatamente do que se trata. Mistura sonho e realidade, duas ou três histórias sem ligações aparentes. Personagens caricaturados.

Somente os cenários não mudam...


Fui a procura de David Lynch na internet: é americano, tem 63 anos, usa o nome de batismo e frequentemente trabalha com os mesmos atores. Atua como produtor - inclusive executivo - editor, diretor, roteirista e ator. Em alguns casos tudo isso de uma só vez.

Recebeu 14 prêmios de melhor diretor pelos filmes O homem elefante (1980), Cidade dos sonhos (2001) – ambos com cinco prêmios cada; Veludo azul (1986) com três premiações, e A história real (1999) com apenas uma medalha.

Descobri que Lynch explora o mistério e o drama. Gosta de sonhos e quase nunca debate ou explica seus filmes.

Durante a pesquisa lembrei que Lynch esteve no Brasil no ano passado; o amigo Dafne Sampaio teve a missão de entrevistá-lo pela revista Monet, mas não me lembro se deu certo.

Lembrei também do Homem elefante quando busquei imagens do filme no Youtube. Recordações da “Sessão da Tarde”...

Império dos sonhos se assemelha a uma noite de sonhos confusos, difícil de verbalizar ao acordar.


quinta-feira, 28 de maio de 2009

Nasi
















Ontem foi a esperada entrevista do Gafieiras com o Nasi. Como de costume, marcamos um ponto de encontro para reunir a equipe e de lá seguimos rumo ao Butantã, bairro onde mora o cantor.
A princípio nenhum mistério com o roteiro: estivemos na região há pouco menos de três semanas para entrevistar o Luiz Tatit. O mapinha na bolsa, pra garantir o sucesso da empreitada, não foi suficiente. Sorte nossa o cinegrafista ter morado por aquelas bandas: chegamos quinze minutos antes do horário marcado, porém quinze minutos atrasados para armar o circo e conferir o equipamento.

Nasi mora sozinho, mas divide a casa de três andares com a gata Sofia; é boa vizinhança; estuda o candomblé pelas veias da sociologia e fotografia; não ouve rock em casa.

Recebeu a equipe no térreo onde ficam os discos e os livros. Ele já estava preparado pra conversa que durou quatro horas: um maço de cigarros, uma garrafa de vinho branco no balde com gelo sobre a mesa de centro e uma cadeira de madeira onde ficou sentado. Sem os trajes típicos de roqueiro, Nasi exibiu colares africanos por baixo da camisa aberta, vestia bermuda e chinelos.
Monitorado por um aparelho que de tempos em tempos registrava sua pressão arterial, Nasi revelou que estava no meio de um check-up sugerido por uma vizinha. Essa é a segunda vez na vida que ele se submete a exames gerais.

Falou sobre sua infância e sua família, sobre o Bixiga – bairro onde nasceu -, sua relação com a música, bandas de rock surgidas nos anos 1980, candomblé, Scandurra e o Ira!.
Cínico ou cênico, como ele mesmo se descreveu, em diversos momentos mandou recados olhando para câmera e rindo em seguida. Usou metáforas pra dizer o que não soube descrever ou pra não dizer com as palavras que queria.
Riu bastante. Fumou bastante. Fez uma única pausa para substituir a garrafa vazia, dessa vez por vinho tinto.

A entrevista na íntegra poderá ser conferida em breve no www.gafieiras.org.br.














(da esquerda para direita: Nasi, Dafne Sampaio e Rodolfo)